André Sztutman

Carlos Monroy

Bhagavan David Barki

Leonardo Stroka

Sári Ember

Suiá Ferlauto

Tchelo

Posted by caramelo77 on

Bhagavan David – Ruminar

2015, 2016

TEXTO (POR) :

Luisa Duarte

A nossa experiência do tempo na atualidade é aquela da aceleração. Vivemos como reféns de um presente interminável cujo futuro nunca chega, pois há sempre mais a se fazer. Difícil é nos mantermos atentos no presente. Atentos ao que passa desapercebido ao nosso redor, pois sutil, bem como termos a capacidade de experimentar aquilo que temos de mais precioso, o tecido de nossas vidas: o tempo. Tudo hoje conspira para nos roubar o tempo, parece que vivemos em uma corrida frenética cujo norte é sempre mais além. Em certos momentos a arte pode ter a capacidade de restaurar certas experiências banalizadas pelo modos operandi cotidiano experimentado nas grandes cidades, este que nos diz diariamente: corra, seja produtivo, faça, aconteça, ganhe tempo, não desperdice.

No mundo de hoje o corte mais radical com tal aceleração possui como reduto espaços distantes dos centros urbanos, áreas rurais nas quais necessariamente o tempo dilata, a natureza e seus ciclos comandam as ações e a desconexão com os aparatos tecnológicos nos ancoram às horas na espessura contida em cada minuto.

A exposição “Ruminar”, de Bhagavan David, possui como motor a observação atenta para vivências em temporalidades distintas. Sem desejar uma síntese, tampouco tomar partido por algum desses modos de vivenciar o tempo – descritos aqui em seus paroxismos – a mostra nos coloca imersos num embaralhamento de múltiplas temporalidades. Ruminar significa distender o tempo; mastigar uma segunda vez; remoer (os alimentos que voltam do estômago à boca); remascar os alimentos: os bois ruminavam em modorra; pensar muito a respeito de (algum plano, problema, projeto etc.); revolver no espírito. A escolha por esse título sintetiza o modo de fazer que está na origem dos trabalhos hoje reunidos, trata-se de entregar-se dedicadamente a um universo restrito de cores, objetos, sons e ali se demorar pacientemente por períodos longos de tempo.

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Bhagavan é um pintor, mas realiza pequenas e importantes transgressões nesta que é a linguagem mais tradicional da arte. Suas pinturas prescindem do suporte tradicional da tela. Pedaços de madeira de diferentes dimensões e formatos, e mais recentemente placas de vidro, encontradas na região rural onde hoje vive no alto da serra do mar, tornam-se o suporte para uma pintura que sai do plano bidimensional e flerta com o tridimensional. Sobre esses fragmentos são usadas tinta óleo e automotiva; a escolha por um conjunto limitado de cores (cinza, preto, branco, vermelho, rosa) que surge de maneira sóbria e chapada tem o poder de aproximar o olhar e doar coerência ao todo, deixando claro um vocabulário visual próprio do artista. Tanto as madeiras encontradas ao longo de caminhadas quanto a tinta automotiva evocam a ligação com o corpo, presente em toda a obra do artista. Um praticante de esportes desde cedo, hoje muito conectado a ecologia e agricultura biodinâmica, Bhagavan incorporou ao trabalho essas facetas de sua vida – o vigor físico e o tempo lento ainda existente fora da cidade – tornando cada pintura um exercício no qual emprega energia e paciência, movimento e espera.

Outra camada importante da obra do artista presente em “Ruminar” encontra-se na música. Através da captação de sons os mais díspares o artista realiza uma colagem na qual edifica paisagens sonoras capazes de traduzir um mal estar com o tempo acelerado e caótico da vida urbana e inserir, em meio a isso, cantos gravados em uma festividade de quilombolas no interior de Goiás, criando zonas distintas que unem o mais primitivo e aquilo que entendemos como o mais contemporâneo.

As pinturas hoje reunidas possuem em comum o fato de acolherem, simultaneamente, um traço moderno quieto e uma geometria que deixa-se contaminar pelos ruídos do mundo. Ao escolher como suporte para suas intervenções pictóricas fragmentos encontrados ao acaso o artista deixa entrever a tentativa acordar pedaços de mundo que antes estariam fadados ao esquecimento, imersos em um sono profundo. O gesto delicado e atento de fazê-los reviver, ganhar sentido, faz parte de uma lógica que no lugar de colocar mais objetos num mundo já saturado deles escolhe, eticamente, fazer uso daquilo que já existe e sobre ali trabalhar.

Tanto nas pinturas quanto nos trabalhos sonoros ocorre um choque entre dimensões industriais e orgânicas, esmalte sintético e madeira, vidro e óleo, sons de britadeiras, máquinas, toda a sonoridade produzida pela tecnologia a serviço da vida urbana mistura-se a sonoridades provenientes de experiências as mais primitivas em locais remotos, distante da cacofonia reinante nas cidades.

“Ruminar”, ao reunir a quietude das pinturas à angustia das obras sonoras, ao deixar entrever o processo existente para que os trabalhos existam, nos dá a chance de alcançar o ethos que mobiliza a obra de Bhagavan David, qual seja, aquele do olhar e ouvido aberto e atentos para os encontros com o mundo, buscando caminhar na contramão de uma acelerarão reinante que nos cega diariamente para os pequenos milagres contidos nas entrelinhas de cada hora. Recordar a chance de despertarmos desse sono profundo contido na pressa de cada dia: eis o que “Ruminar” endereça a cada um de nós.

 

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